Uma publicação recente na revista científica Cell Transplantation descreve o caso de um adolescente de 16 anos que, após ter sofrido lesões cerebrais na sequência de uma paragem cardiorrespiratória, conseguiu recuperar a sua qualidade de vida após ser tratado com células estaminais do tecido do cordão umbilical.
A avaliação inicial do doente indicou a presença de lesões neurológicas, causadas pela falta de irrigação sanguínea e de oxigénio no cérebro aquando da paragem cardiorrespiratória, com graves consequências na sua qualidade de vida. Passados mais de 2 meses após este episódio, o jovem permanecia hospitalizado, não era capaz de respirar nem alimentar-se de forma independente e apresentava marcada espasticidade e grande dificuldade em seguir instruções simples.
Na ausência de uma opção terapêutica eficaz, e tendo em conta estudos anteriores indicativos de que a aplicação de células estaminais mesenquimais (MSC, de Mesenchymal Stem Cells) poderá ajudar no tratamento de lesões neurológicas, a equipa clínica avançou com um tratamento experimental, que consistiu na administração de MSC do tecido do cordão umbilical, combinada com um programa personalizado de fisioterapia.
Antes de iniciar o tratamento, o doente foi avaliado por uma equipa de médicos e fisioterapeutas. Um dos parâmetros usados para avaliar a evolução da qualidade de vida foi a escala de Medida de Independência Funcional (MIF), que reflete a capacidade cognitiva e a facilidade com que o doente executa, de forma independente, as atividades do seu dia-a-dia, como vestir-se, comer e movimentar-se.
Aproximadamente 3 meses após a paragem cardiorrespiratória, o doente foi transferido para a unidade de Neurocirurgia para iniciar o tratamento experimental, tendo recebido quatro tratamentos com células estaminais ao longo de dois meses. O procedimento foi considerado seguro, pois o doente apresentou apenas complicações ligeiras, como febre e dor de cabeça, nas primeiras 24 horas. Uma semana após o primeiro tratamento, o jovem começou a melhorar visivelmente e, um mês depois, a força no tronco e a coordenação motora nos membros superiores tinham aumentado, sendo já capaz de comer sozinho e deslocar-se com canadianas. Três meses após o primeiro tratamento, a sua qualidade de vida tinha melhorado consideravelmente e já conseguia escrever com maior rapidez, vestir-se e ir à casa de banho. Em quatro meses, a pontuação da escala de MIF passou de 27 (antes do tratamento experimental) para 120, num máximo de 126 pontos, refletindo o extraordinário progresso alcançado pelo doente nesse período. Um ano depois da paragem cardiorrespiratória, as lesões cerebrais inicialmente visíveis por ressonância magnética tinham desaparecido e o eletroencefalograma e a pontuação da escala de MIF tinham regressado aos valores normais.
Os autores consideram que a estratégia de tratamento adotada, com múltiplas administrações de MSC combinadas com um programa de reabilitação intensivo, é exequível e segura, tendo resultado na recuperação completa do doente, tanto a nível motor como cognitivo. Referem ainda que é importante realizar estudos com um maior número de doentes para estabelecer a eficácia do procedimento proposto e definir aspetos fundamentais do tratamento, como a dose, frequência e via de administração das MSC.
Referência:
Kabataş et al. Wharton’s Jelly-Derived Mesenchymal Stem Cell Transplantation in a Patient with Hypoxic-Ischemic Encephalopathy: A Pilot Study. Cell Transplant. 2018 Oct;27(10):1425-1433.