A transplantação hematopoiética (com células estaminais hematopoiéticas, capazes de formar um novo sistema sanguíneo e imunitário) continua a ser a única opção terapêutica curativa para muitas doenças hemato-oncológicas, como leucemias e linfomas, bem como para várias doenças metabólicas, imunodeficiências e hemoglobinopatias1. Desde o primeiro transplante hematopoiético, em 1957, o número de transplantes tem vindo a aumentar, ascendendo já a mais de 1 milhão2. Os transplantes autólogos, em que o doente recebe as suas próprias células, são os que têm registado um crescimento mais acentuado, tendo representado cerca de 60% dos mais de 45.000 transplantes realizados na Europa em 20173. Linfomas, tumores sólidos e doenças autoimunes são frequentemente tratadas com recurso a transplantes autólogos, enquanto que os transplantes alogénicos, em que as células provêm de um dador compatível, são muito utilizados em casos de leucemias, anemias e imunodeficiências3,4.
Em mais de sessenta anos de história, a transplantação hematopoiética evoluiu muito, permitindo tratar, atualmente, cerca de 70.000 doentes por ano4. Apesar dos 26 milhões de dadores de medula óssea registados em bases de dados a nível mundial, ainda há uma percentagem considerável de doentes para os quais não é possível identificar um dador compatível4. O sangue do cordão umbilical estabeleceu-se, nos últimos 30 anos, como uma alternativa à medula óssea, tornando a transplantação hematopoiética acessível a um leque mais alargado de doentes1. Segundo dados da European Society for Blood and Marrow Transplantation, anualmente realizam-se cerca de 400 transplantes hematopoiéticos com sangue do cordão umbilical na Europa3,5. Os resultados dos transplantes com sangue do cordão umbilical são comparáveis aos obtidos com medula óssea, estando associados a algumas vantagens, nomeadamente: 1) colheita fácil e indolor; 2) imediata disponibilidade para transplante; 3) maior tolerância nos fatores de compatibilidade HLA (permite discrepâncias); e 4) menor risco de desenvolver doença do enxerto contra o hospedeiro, uma complicação potencialmente fatal dos transplantes hematopoiéticos1. O grande desafio da transplantação com sangue do cordão umbilical prende-se com a quantidade limitada de células de algumas amostras, questão que tem sido resolvida utilizando duas unidades de sangue do cordão em doentes com maior peso corporal1. A multiplicação das células em laboratório antes do transplante é outra estratégia em estudo para ultrapassar esta limitação, que tem obtido resultados muito positivos em ensaios clínicos1,6,7.
A colheita e criopreservação de sangue do cordão umbilical são hoje prática comum um pouco por todo o mundo. Estima-se que haja cerca de 700.000 unidades de sangue do cordão armazenadas em mais de 100 bancos públicos, destinadas a uso alogénico, e mais de 4 milhões de unidades para uso familiar, distribuídas por cerca de 200 bancos privados7,8. Desde 1988, foram já realizados mais de 45.000 transplantes de sangue do cordão umbilical, em crianças e adultos, para o tratamento de cerca de 80 doenças9, principalmente doenças malignas do sangue, como leucemias e linfomas, mas também imunodeficiências, anemias e doenças metabólicas6,7. Nos últimos 10 anos, o número de novas aplicações terapêuticas do sangue do cordão umbilical em estudo aumentou marcadamente, tendo envolvido já mais de 800 doentes tratados no âmbito estudos clínicos10. Um dos avanços mais importantes na área da medicina regenerativa com sangue do cordão umbilical, nos últimos anos, foi a descoberta de que a administração de sangue do cordão umbilical a crianças com doenças do foro neurológico, como paralisia cerebral e autismo, está associada a uma redução dos sintomas, tema que continua a ser alvo de intensa investigação científica11,12. Para além do papel no sangue do cordão umbilical no campo da transplantação hematopoiética, o seu crescente envolvimento em novas aplicações de medicina regenerativa vem reforçar a importância terapêutica desta fonte de células estaminais.
Referências: