As Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) englobam uma gama de transtornos do desenvolvimento infantil caracterizadas por déficits na comunicação e interação social e pela presença de interesses restritos e comportamentos repetitivos. Desde os anos 90, a incidência de autismo tem vindo a aumentar em todo o mundo, atingindo atualmente cerca de 60 em cada 10.000 crianças, com predomínio no sexo masculino. Em Portugal, estima-se que o autismo afete cerca de 1 em cada 1.000 crianças em idade escolar.
A abordagem terapêutica atualmente usada para tratar PEA inclui terapia ocupacional, comportamental e da fala, bem como medicação destinada a controlar os sintomas associados. As PEA resultam de alterações no normal desenvolvimento cerebral e, embora se desconheçam os mecanismos exatos que levam ao seu aparecimento, vários estudos indicam que a inflamação ao nível cerebral desempenha um papel importante nesse processo.
Estudos em modelo animal demonstraram que o sangue do cordão umbilical é capaz de atenuar a inflamação e modificar a conectividade cerebral, ambos alterados nas PEA. Investigadores da Universidade de Duke, nos EUA, testaram a hipótese de que o sangue do cordão umbilical poderia melhorar os sintomas de PEA. Para isso, realizaram um ensaio clínico em que 25 crianças com PEA, com idades compreendidas entre os 2 e os 6 anos, foram tratadas com o seu próprio sangue do cordão umbilical, que estava armazenado num banco de células estaminais. As crianças melhoraram significativamente ao nível do comportamento, comunicação, aptidões sociais e sintomas de autismo.
Recentemente, um grupo de investigadores da mesma Universidade pretendeu compreender se estas melhorias estariam relacionadas com alterações na comunicação entre determinadas regiões do cérebro que, em estudos anteriores, se mostraram alteradas em indivíduos com PEA. Para isso, analisaram os dados de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) de 19 dos participantes no ensaio clínico, obtidos antes e 6 meses após o tratamento experimental com sangue do cordão umbilical. Este estudo permitiu observar o aumento da conectividade em alguns dos circuitos neuronais analisados, incluindo o sistema límbico, que está implicado no processamento de emoções, informação social e memória.
Os autores referem que, embora não tenha sido incluído grupo controlo, este estudo permitiu definir regiões de interesse para estudar as alterações cerebrais associadas à administração de sangue do cordão umbilical em crianças autistas no ensaio clínico de fase II, com grupo controlo, que já se encontra a decorrer.
Os resultados deste estudo sugerem que o sangue do cordão umbilical é capaz de desencadear alterações ao nível do cérebro, que explicam as melhorias nos sintomas de autismo e nas capacidades de comunicação social em crianças com PEA infundidas com sangue do cordão umbilical autólogo (do próprio).
Carpenter KLH et al. White Matter Tract Changes Associated with Clinical Improvement in an Open-Label Trial Assessing Autologous Umbilical Cord Blood for Treatment of Young Children with Autism. Stem Cells Transl Med. 2019 Jan 8. doi: 10.1002/sctm.18-0251.
Dawson G et al. Autologous Cord Blood Infusions Are Safe and Feasible in Young Children with Autism Spectrum Disorder: Results of a Single-Center Phase I Open-Label Trial. Stem Cells Transl Med. 2017 May;6(5):1332-1339.